A ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), alterou um voto dado em 2018 nesta terça-feira (23) e deu maioria na Segunda Turma à tese de que o ex-juiz Sergio Moro atuou de forma parcial em processo que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex do Guarujá.
Com o voto de Cármen, o placar entre os cinco ministros da Segunda Turma foi invertido de 3×2 contra a suspeição de Moro para 3×2 a favor da suspeição de Moro.
O julgamento ficou suspenso por mais de dois anos após um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Ele foi incluído na pauta novamente no início de março, um dia após o ministro Edson Fachin decidir, em outro processo, anular processos e condenações de Lula. Entre elas, a condenação referente ao tríplex do Guarujá – a penas de 9 anos e 6 meses, e a do sítio de Atibaia, a 12 anos e 11 meses.
Fachin considerou que quatro processos envolvendo Lula julgados pela 13ª Vara Federal da Curitiba não teriam relação com os desvios da Petrobras – que eram investigados pela Operação Lava Jato. Dessa forma, a Justiça do Paraná não seria o foro adequado para o caso. A PGR (Procuradoria-Geral da República) recorreu, e Fachin enviou o caso ao plenário, que ainda irá decidir se mantém ou não sua decisão.
Os processos seguem para o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Com a decisão sobre a suspeição no processo do tríplex, as provas coletadas em Curitiba ficam anuladas e não poderão ser utilizadas em um futuro julgamento.
Suspeição
O reconhecimento da suspeição de Moro é outro pedido da defesa do ex-presidente e foi ajuizado em 2018. Em uma primeira sessão ainda naquele ano, os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram contra o pedido da defesa do ex-presidente. Já na retomada do processo, em 9 de março, o presidente da Segunda Turma, ministro Gilmar Mendes, além do ministro Ricardo Lewandowski, votaram a favor da suspeição de Moro, levando o placar para 2×2.
O ministro Nunes Marques pediu vista, adiando a decisão para esta terça. Ele abriu a nova sessão declarando seu voto contra a suspeição de Moro, apontando que o habeas corpus não é o caminho correto para o pedido e que o juiz não pode ficar alheio ao réu durante o processo e “deve ir formando sua opinião”. Também criticou o uso de mensagens mostrando diálogos entre Moro e procuradores, obtidas por hackers, serem usadas contra o ex-juiz e a Lava Jato. Os diálogos indicam irregularidades no processo, como a indicação de testemunhas por Moro à acusação. Os argumentos foram rebatidos por Gilmar Mendes, que elevou o tom contra o novo ministro do STF.
O placar favorável à Moro durou pouco tempo. A ministra Cármen Lúcia falou após intervalo na sessão e votou a favor do pedido da defesa da Lula. Ela afirmou que diversos dados vieram à tona desde o início do julgamento e que a fizeram fazer uma nova avaliação.
Cármen Lúcia afirmou que houve “espetacularização” na condução coercitiva de Lula para depoimento em 2016, sem que tivesse sido intimado anteriormente. Criticou também o grampo de telefones feito no escritório de advocacia que fazia a defesa do ex-presidente. Houve a “quebra de um direito do paciente, que não teve um julgamento imparcial que lhe seria assegurado por normas constitucionais”, afirmou. “Houve comportamentos inadequados e que suscitam portanto a parcialidade”, disse a ministra.
Extensão
A tendência é que a defesa de Lula peça a extensão do reconhecimento da suspeição de Moro aos outros processos conduzidos pelo ex-juiz na Lava Jato, casos do sítio de Atibaia e de dois processos envolvendo o Instituto Lula, nos quais o ex-presidente é réu.
Caso essa extensão seja concedida, Lula ficaria protegido para o caso de o plenário rever a anulação das condenações determinada por Fachin. Dessa forma, provas obtidas pela 13ª Vara de Curitiba em todos os processos estariam anuladas e não poderiam ser aproveitadas pelo TRF-1 para possíveis futuros julgamentos.
Contaminação
O ministro Edson Fachin, contrário à suspeição de Moro, afirmou que a decisão poderá levar a uma enxurrada de pedidos de anulação de processos da Lava Jato. Cármen Lúcia e Gilmar Mendes procuraram destacar em seus entendimentos que a decisão se refere ao pedido de defesa de Lula.
“Tenho para mim que estamos julgando um habeas corpus de um paciente que comprovou estar numa situação específica. Não acho que o procedimento se estenda a quem quer que seja, que a imparcialidade se estenda a quem quer que seja ou atinja outros procedimentos. Porque aqui estou tomando em consideração algo que foi comprovado pelo impetrante relativo a este paciente, nesta condição”, disse a ministra.